Por Carlos
Scarllaty
Vivi a minha infância e juventude, entre as
Avenidas Novas de Lisboa e o Campo Grande, que era um lugar maravilhoso, um
verdadeiro campo, muito grande e muito verde, às portas da cidade. O espaço era
interrompido, apenas, pelos caminhos de terra batida para se chegar ao lago dos
patos, ou mais acima, a um outro lago ainda maior, onde se podia andar de barco
a remos. As casas eram confortáveis, espaçosas e os terrenos eram enormes,
divididos por muros baixos. Mesmo defronte da casa da minha avó, havia uma
quinta enorme, cheia de árvores de fruto, flores, plantas, hortas... E um
moinho de vento que fazia sair a água do grande poço para as regas. Nesse
tempo, as ruas de Lisboa ainda não eram todas asfaltadas, mas sim calçadas com paralelepípedos
de granito. Longe do centro, por exemplo no Lumiar, Lisboa parecia
um cidade da província. Um ótimo lugar para a infância.
Diante da casa da minha avó, na rua de Malpique,
onde eu ficava durante o dia, passava o homem do “gelado fresquinho” que me
fazia correr mal ouvia tocar a sua buzina de fole de borracha. Recordo também o
amolador, com a sua gaita-de-beiços, anunciar que afiava facas e tesoiras, e o
homem dos barquilhos e das bolachas de baunilha. Na mercearia defronte, havia rebuçados
e guloseimas que faziam a alegria da miudagem.
E nós, as crianças, atravessávamos a infância numa animação de tantas brincadeiras. Os quintais enormes das casas, com quintas que rodeavam a “nossa” rua de árvores frondosas, criavam um ambiente de felicidade. A minha avó Maria (paterna) era o meu Anjo da Guarda. Não me dizia que não a nada, e deixava-me brincar à vontade até a minha mãe chegar para me levar para casa. Parecia que o dia terminava mais depressa. Foi desta forma feliz que vivi a minha prolongada infância até os 7 anos, época que jamais vou esquecer.
E nós, as crianças, atravessávamos a infância numa animação de tantas brincadeiras. Os quintais enormes das casas, com quintas que rodeavam a “nossa” rua de árvores frondosas, criavam um ambiente de felicidade. A minha avó Maria (paterna) era o meu Anjo da Guarda. Não me dizia que não a nada, e deixava-me brincar à vontade até a minha mãe chegar para me levar para casa. Parecia que o dia terminava mais depressa. Foi desta forma feliz que vivi a minha prolongada infância até os 7 anos, época que jamais vou esquecer.
Não vou dizer que foi por aqui que nasceu o meu
desejo por andar de bicicleta. Seria romântico se fosse assim. Não, foi na
aldeia onde nasceu a minha mãe, na Beira Alta, onde íamos de férias todos anos,
que um primo, mais velho, me ensinou andar de bicicleta. Nunca tive muito equilíbrio,
mas andava bem nas descidas... e o facto é que depois destas experiências voltei
para a cidade com vontade de ter a minha própria bicicleta. Com os meus pais
entenderam que ainda não era altura de a ter, comecei a dar as primeiras
pedaladas nas bicicletas dos amigos.
Mais tarde tive então uma só minha, e com ela
vivi uma série de acidentes sem gravidade, e alguns bem engraçados, que
marcaram a minha infância. Quando tinha seis anos, alto e magrinho, esbarrei
de frente com uma "bicicletona" que uma senhora bem encorpada
conduzia pelos caminhos que circundavam as quintas do hipódromo, onde hoje fica
a Cidade Universitária. Foi um desastre! Caí no chão, cheio das pedrinhas
soltas do cascalho, e esfolei um braço junto do cotovelo. Estava eu a falar com
a mulher, ainda meio assustado sob o efeito da queda, quando percebi que a roda
da frente da minha bicicleta se tinha entortado. Perante o sangue e a pele
esfolada entrei em pânico, e fui a correr para casa da minha avó, a quem me queixei
do acontecido num discurso revoltado, referindo-me à pobre senhora em tom
furioso:
- Olha vó, o que aquela mulher gorda me fez? Aquela
baleia que costuma passar aqui à nossa porta?”,
E choramingava. Estava sentado na cozinha, com
a minha avó a prestar-me os "primeiros socorros", quando a dita senhora
apareceu a pedir desculpas. Eu estava muito nervoso, e dizia:
- Foi essa mesmo! Foi essa baleia gorda que bateu na
minha bicicleta nova!
Eu nem queria saber do ferimento que tinha no
braço, de onde escorria sangue a valer. Importava-me sim, a bicicleta nova, que
tinha pouco mais de uma semana nas minhas mãos. Coisas de criança nervosa,
mimada, e de pelo na venta. Enquanto isso, a minha avó pedia desculpas pelo meu
descontrole linguístico. Por fim, fui para o hospital, onde acabei por levar
uns seis pontos no braço. O que não me fazia esquecer a roda torta da minha
bicicleta. Essa recordação nunca terá fim. É eterna. Como eterna é a recordação
dos beijos que recebi de minha avó e de minha mãe.
Lisboa, 08.10.2012
créditos da imagem: Pitux, em A bicicleta que ia atrás
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